Como se formaram as Cascatas do Poço Negro
As Cascatas do Poço Negro são uma sucessão de quedas de água situadas na Ribeira do Pêgo relacionadas com o desnível que corresponde a uma antiga arriba litoral (Figs. 6.1 e 6.2).
Figura 6.1. Setor da ribeira do Pêgo em que se localizam as cascatas do Poço Negro.
Figura 6.2. Vista aérea das cascatas do Poço Negro.
As cascatas localizam-se no troço mais encaixado da ribeira, troço que faz a ligação entre as antigas superfícies de erosão, hoje mais elevadas (acima de 100 metros), com a plataforma litoral mais recente que se desenvolve abaixo de 60 metros (Figs. 6.3 a 6.5).
Figura 6.3. As cascatas do Poço Negro localizam-se no declive entre as superfícies mais elevadas (à direita) e a plataforma litoral (ao centro).
Figura 6.4. Localização das Cascatas do Poço Negro.
Figura 6.5. Perfil longitudinal com exagero vertical, realçando o acentuado declive no setor da Cascata do Pêgo e as diversas superfícies de erosão situadas entre o Planalto de Sta. Luzia e a praia (Carvalhido, 2012, O litoral norte de Portugal (Minho-Neiva): evolução paleoambiental quaternária proposta de conservação do património geomorfológico, tese de doutoramento, Universidade do Minho).
As cascatas são um tipo particular de queda de água em que esta desce ao longo de uma série de degraus naturalmente escavados na rocha. No caso das Cascatas do Poço Negro, a sua origem está relacionada com a acentuada descida da temperatura média da Terra que ocorreu há cerca de 2,5 milhões de anos e que marcou o início de um período glaciário designado por Quaternário, que se estende até hoje. A descida da temperatura levou à retenção de uma grande quantidade de água sob a forma de gelo junto aos polos e nas montanhas e, consequentemente, teve lugar uma descida do nível do mar. Esta descida do nível do mar na costa ocidental da Península Ibérica constituiu um fator importante na origem das Cascatas do Poço Negro, de acordo com um processo idêntico ao ilustrado na figura 6.6.
Figura 6.6. Evolução do litoral norte de Viana do Castelo e origem das Cascatas do Poço Negro (ver legenda no texto).
A) Há cerca de 20 milhões de anos, em condições de clima mais quente do que o atual, o nível do mar era mais elevado.
B) Movimentos tectónicos foram levantando o continente relativamente ao nível do mar.
C) Nessas condições, originaram-se diversas superfícies aplanadas devido à erosão provocada pelo mar.
D) Há cerca de 2.5 milhões de anos iniciou-se um período de arrefecimento global que teve como consequência a descida pronunciada do nível do mar.
E) Simultaneamente, movimentos tectónicos continuam a elevar o continente.
F) Devido à descida rápida do nível do mar formou-se a arriba onde hoje se situa a Cascata do Poço Negro.
G) Há 18 000 anos, o nível do mar encontrava-se cerca de 130 metros abaixo do nível atual, e a linha de costa situava-se a 40 km da posição atual. Desde então, o mar subiu até à posição que hoje ocupa.
H) Em resumo, estas quedas de água formaram-se devido à descida rápida do nível do mar e à consequente formação da arriba litoral.
O valor funcional da geodiversidade: o exemplo dos moinhos de água
O aproveitamento da energia gerada pelo vento ou pela água como força motriz em moinhos teve durante muito tempo um papel fundamental e estruturante na vida das comunidades rurais. O termo moinho abrange realidades muito diversas que se traduzem não só no tipo de energia utilizada eólica ou hidráulica como no modo como essa energia é utilizada, circunstância que se reflete na arquitetura e no regime de propriedade e de utilização adotados.
No Alto Minho, encontramos principalmente moinhos de água, se bem que não possamos esquecer a presença mais pontual dos moinhos de vento, presentes no litoral entre Viana do Castelo e Esposende. Contudo, a elevada precipitação e o relevo acidentado da região criaram condições mais favoráveis para a instalação de moinhos alimentados por cursos de água (Figs. 6.7 e 6.8).
Figura 6.7. Sucessão de moinhos de água na Ribeira do Pêgo.
Figura 6.8. Moinho de água na ribeira do Pêgo.
Em algumas circunstâncias constituíram-se mesmo pequenas unidades semi-industriais com assumida lógica comercial e uma oferta variada de serviços que ia desde a moagem de cereais, serração de madeiras e maceração do linho, à própria travessia do rio. Isto permitia abrir o mercado à margem oposta, para além de transformar o local num ponto de passagem obrigatória no quotidiano da comunidade, combatendo assim o isolamento das povoações.
O moinho de água ou azenha pode apresentar diversas formas que, todavia, se enquadram em dois grandes tipos: de roda vertical, exterior ao edifício, geralmente situados em zonas de planície, e de roda horizontal ou rodízio, no interior do edifício, sendo preferidos nas zonas de montanha.
As azenhas de roda exterior vertical são edifícios de grandes dimensões em alvenaria que podem ser rebocados e caiados e com telhado de duas águas. Localizam-se nas margens do curso final dos rios de maior caudal, onde o terreno é mais plano. A água do rio é represada por um açude de pedra solta que a armazena e permite a sua condução para uma comporta, que tanto pode ser uma pequena levada como uma simples abertura. Esta última dirige a água de modo a bater nas pás da roda do moinho no ponto que vai obrigar a roda a mover-se e, com ela, todo o mecanismo que transmite essa rotação à mó (Fig. 6.9).
Figura 6.9. Roda exterior em moinho situado no Monumento Natural das Cascatas da Ferida Má.
A levada é um elemento fundamental no funcionamento do moinho: é um canal que desvia a água do seu leito e a conduz até ao moinho, de onde, depois de fazer mover o rodízio, regressa ao seu curso normal ou vai alimentar outros moinhos ou ainda seguir para jusante (Fig. 6.10).
Figura 6.10. Levada nas cascatas do Poço Negro.
O processo de moagem é feito pela fricção do cereal em grão entre duas superfícies duras, as mós, que o desfazem e transformam em farinha. O moinho introduz assim neste processo o aproveitamento da energia da água ou do vento em substituição da força muscular, permitindo assim a existência de um movimento giratório contínuo (Fig. 6.11).
Figura 6.11. Mó reconstruída em moinho situado nas cascatas do Poço Negro.
Nas cascatas do Poço Negro, estamos na presença de azenhas de roda horizontal instaladas em pequenos edifícios cobertos por um telhado de uma só água (Fig. 6.12). Aqui, a pequena dimensão destas azenhas está muito ligada aos condicionalismos do local onde estão implantadas, que são frequentemente zonas de relevo acentuado nas quais as águas correm em pequenos cursos com grandes desníveis e onde é difícil encontrar terrenos disponíveis para grandes construções.
Figura 6.12. Esquema representativo da azenha de roda horizontal característico dos moinhos das cascatas do Poço Negro.
Os caminhos de acesso aos moinhos das cascatas do Poço Negro eram tratados pelos seus proprietários. A limpeza, manutenção e construção de calçadas facilitava o acesso, até porque o moinho trabalhava dia e noite e, muitas vezes, as mudanças de turno ocorriam a meio da noite e os percursos podiam ser perigosos. Junto aos moinhos do Poço Negro podem observar-se no pavimento os sulcos escavados pelas rodas das carroças que transportavam o cereal e a farinha.