Cascatas e outras quedas de água
Uma queda de água é uma rutura brusca no declive do leito de um rio. Quanto à forma, existem vários tipos de quedas de água: cascata, catarata, salto, bloco, ou caldeirão, entre outros (Fig. 2.1).
Figura 2.1. Exemplos de diferentes tipos de quedas de água: A - tipo cascata (Islândia); B - tipo catarata (Brasil/Argentina); C - tipo salto (Hawaii); D - tipo bloco (Islândia).
Uma cascata é um tipo particular de queda de água constituída por uma série de degraus escavados naturalmente na rocha. Estes degraus devem-se à erosão provocada pelo movimento da água.
As cataratas são tipicamente mais largas do que altas e debitam um elevado volume de água. As cataratas de Victória, no rio Zambeze, na fronteira entre a Zâmbia e o Zimbabué, e as cataratas do Iguaçu, no rio com o mesmo nome, na fronteira entre a Argentina e o Brasil, são dois magníficos exemplos deste tipo de queda de água, incluídos na Lista de Património Mundial da UNESCO.
Nos saltos a água precipita-se sem manter contacto com a rocha. É o caso do Salto do Angel, a mais alta queda de água do mundo (979 metros), no Parque Nacional Canaima, na Venezuela, Património Mundial da UNESCO.
Nas quedas de água do tipo bloco, a superfície rochosa na qual se processa a queda é larga, como no caso do Niágara, rio que faz fronteira entre o estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, e a província de Ontário, no Canadá.
Num caldeirão, a água desce ao longo de um leito estreito e acumula-se numa depressão.
Como se formam quedas de água?
A rutura brusca no declive do leito de um rio, e consequentemente a queda de água, está associada a fenómenos de erosão condicionados por fatores tão diversos como (Fig. 2.2):
• a diferente resistência das rochas;
• a ocorrência de falhas geológicas e de outros movimentos tectónicos;
• variações do nível do mar;
• a fusão do gelo dos glaciares.
Figura 2.2. Principais mecanismos de formação das quedas de água. As linhas curvas representam o trajeto do rio desde a nascente até à foz. ((modificado de Castillo, M. y Lugo-Hubp, J. (2011). Estado actual del conocimiento, clasificación y propuesta de inclusión del término knickpoint en el léxico geológico-geomorfológico del español. Bol. Soc. Geol. Mex, vol.63, n.2, pp.353-364.)
Assim, de acordo com a sua génese, as quedas de água podem classificar-se da seguinte forma (Tabela 2.1).
Tabela 2.1. Classificação das quedas de água com base da sua génese (Castillo, M. y Lugo-Hubp, J. (2011). Estado actual del conocimiento, clasificación y propuesta de inclusión del término knickpoint en el léxico geológico-geomorfológico del español. Bol. Soc. Geol. Mex, vol.63, n.2, pp.353-364.).
Queda de água glaciária
Nas áreas montanhosas modeladas pela erosão glaciária, observam-se com frequência fortes contrastes topográficos no leito do rio, assim como quedas de água. Estas quedas de água são formas herdadas de processos fluviais que resultam: i) da escavação diferencial do leito do rio por ação do gelo e dos sedimentos de fundo da língua glaciária; ou ii) da existência de vales suspensos (Fig. 2.3). Nestes últimos, a queda de água que se forma após o recuo ou desaparecimento do glaciar, resulta da menor capacidade de erosão de um vale tributário relativamente ao vale principal.
Figura 2.3. Queda de água associada com vales suspensos de origem glaciária.
Como exemplos de quedas de água com origem glaciária referem-se: as Cataratas de Yosemite, um conjunto de três quedas de água localizadas no Parque Nacional de Yosemite na Sierra Nevada, Califórnia, as mais altas quedas de água nos Estados Unidos; as Gullfoss, também conhecidas por Cataratas Douradas, que é a queda de água mais popular da Islândia e está localizada num desfiladeiro alimentado pelo glaciar Langjökull, o segundo maior glaciar da Europa. Em Portugal destacam-se as quedas de água dos vales suspensos sob o vale glaciário do rio Zêzere, como é o caso do vale da Candeeira (Fig. 2.4).
Figura 2.4. Queda de água na confluência do vale suspenso da Candeeira sobre o vale glaciário do Zêzere.
Queda de água litológica
A litologia (tipo de rocha) e as estruturas que as afetam (e. g. falhas, diaclases) são uma componente da paisagem que está sujeita a erosão fluvial. A resistência à erosão é o principal fator que pode desencadear a formação de uma queda de água, estando relacionado com a erosão fluvial numa zona de contacto litológico. A erosão diferencial surge como resultado da resistência oferecida à erosão fluvial pelas rochas que constituem o leito do rio, com os materiais mais brandos a sofrer erosão mais rápida do que os mais resistentes.
O controle estrutural litológico manifesta-se numa alternância horizontal, inclinada ou mesmo vertical de camadas de rochas brandas e resistentes. Os declives do leito são abruptos nas camadas de rocha mais resistente (Fig. 2.5).
Figura 2.5. Esquema ilustrativo de uma queda de água associada a estratos inclinados de rocha mais resistente à erosão.
Queda de água tectónica
Existem dois mecanismos associados a atividade tectónica que favorecem a formação de quedas de água – o movimento ao longo de falhas e o soerguimento tectónico (Fig. 2.2). No caso de uma falha afetar o leito fluvial, ocorre na bacia hidrográfica uma mudança repentina no nível de base, originando a formação de uma queda de água (Fig. 2.6).
Figura 2.6. Representação esquemática de uma queda de água originada por uma falha vertical.
São também comuns quedas de água relacionadas com a descida do nível de base dos rios. Em condições de equilíbrio, o soerguimento tectónico é compensado pela erosão. Contudo, o aumento da atividade tectónica durante um determinado intervalo de tempo geológico pode induzir um desequilíbrio pela descida do nível de base dos rios formando-se, consequentemente, quedas de água.
Quedas de água eustática (descida do nível do mar)
O nível médio do mar controla a localização da foz do rio, ponto final de erosão de uma corrente fluvial. Embora a descida do nível do mar seja responsável pela geração de quedas de água (Fig. 2.7), estas não são eventos isolados e, em muitos casos, resultam de outros processos, como, por exemplo, uma maior velocidade de elevação tectónica (ver queda de água tectónica), uma mudança climática drástica (glaciação), um levantamento por perda de peso devido à erosão de parte das rochas ou degelo, ou uma combinação de alguns dos fenómenos mencionados. A associação de quedas de água a mudanças eustáticas só deverá ser feita se não existirem evidências de outros processos que possam justificar essas quedas de água.
Figura 2.7. Formação de queda de água devido à descida do nível do mar.
Como se formaram as Cascatas da Ferida Má
As Cascatas da Ferida Má ocorrem num troço do rio Âncora com 2,25 km de extensão, situado entre Montaria e Amonde. Este troço, com um declive médio muito elevado (7,6%), situa-se entre as altitudes 260 e 90 metros, a cerca de 10 quilómetros da linha de costa (Fig. 2.8).
Figura 2.8. Perfil longitudinal do rio Âncora com localização das Cascatas da Ferida Má.
Após um troço inicial escavado em granitos com perfil acentuado, mas regular, o rio atravessa dezenas de camadas dispostas perpendicularmente ao leito, com diferente resistência à erosão – xistos e quartzitos entre outros. Por este motivo o leito apresenta numerosos ressaltos que fazem deste troço fluvial uma zona de rápidos com várias cascatas com desníveis superiores a 5 metros.
As quedas mais notáveis são também conhecidas por Cascatas do Pincho, situadas numa sucessão de camadas quartzíticas (Fig. 2.9).
Figura 2.9. Cascatas da Ferida Má, também conhecidas por Cascatas do Pincho.
Assim, as Cascatas da Ferida Má, têm origem essencialmente em aspetos litológicos relacionados com a diferente resistência das bancadas de rochas metamórficas à erosão, bem como com a sua orientação. Contudo, a forma e inclinação do leito do rio foram também influenciadas pela variação do nível do mar e pelo levantamento tectónico. O contínuo aumento da diferença de altitudes entre a foz e a nascente, devido ao abaixamento do nível do mar e continuo levantamento tectónico do continente, terá constituído um fator decisivo para a revitalização da erosão do rio, na procura de um novo perfil de equilíbrio.
O cenário das Cascatas da Ferida Má explica por si, de forma simples, a presença de quedas de água litológicas. Contudo, numa interpretação mais detalhada e completa devem ser tomados em consideração os processos de natureza eustática e tectónica.