As rochas graníticas


O ciclo das rochas representa as principais interações entre os numerosos materiais e processos do sistema Terra (Fig. 4.1), nomeadamente a origem das rochas ígneas, sedimentares e metamórficas e o modo como estas se relacionam. Este modelo evidencia que qualquer tipo de rocha pode ser transformado noutro por ação dos processos geológicos.

Figura 4.1. Representação esquemática do ciclo das rochas, com destaque para os materiais e processos geológicos principais.

As rochas graníticas, ou granitoides, têm origem ígnea (ou magmática), resultando do arrefecimento lento e cristalização de magma a quilómetros de profundidade (rochas intrusivas).


Existem diversos tipos de magma, levando a que a composição química e mineralógica dos granitoides seja muito variável. Os minerais mais comuns são o quartzo, os feldspatos (ortoclase, plagioclase) e as micas (biotite, moscovite). Contêm sempre quartzo e feldspato, embora minerais como biotite, moscovite, anfíbola, granada, entre outros, podem, ou não, estar presentes. 


A definição petrológica de granito refere-se a rochas nas quais o quartzo é responsável por 20% a 60% e a plagioclase entre 10% a 65% da soma quartzo + feldspato alcalino + plagioclase. As rochas graníticas são tipicamente rochas duras, homogéneas e cristalinas, com baixa porosidade primária. 

O tipo de arrefecimento do magma também pode originar rochas distintas. Um arrefecimento lento, por exemplo, favorece o crescimento dos cristais, dando origem a rochas com cristais apresentando vários centimetros de comprimento. Deste modo, os granitoides podem apresentar diversos tipos de minerais e texturas variadas (a textura refere-se à dimensão dos cristais) (Fig. 4.2).

Figura 4.2. Aspeto de diferentes texturas em rochas graníticas.

Neste MNL ocorrem dois tipos principais de granitos, instalados no âmbito da orogenia varisca, que teve o seu auge há cerca de 300 milhões de anos (Fig. 4.3).


No sector norte do MNL ocorre a fácies (variedade) Granito de Bouça de Frades, de grão fino a médio, porfiroide, instalada durante a 2ª fase de deformação varisca. No sector meridional do MNL ocorre a fácies Granito de Afife, de grão médio a grosseiro, instalada durante a 3ª fase de deformação varisca. No sector sudoeste do MNL ocorre uma variação da fácies Granito de Afife, “de duas micas de grão médio a fino”. Todas as fácies possuem quartzo, feldspato potássico, plagioclase sdica, moscovite, biotite, apatite, zircão e silimanite. A turmalina e a granada são minerais exclusivos da fácies mais diferenciada, no sector sudoeste do MNL. 


A disposição dos granitos está condicionada segundo a sua idade de instalação (na base, os granitos mais recentes da 3ª fase de deformação varisca e, por cima, os granitos mais antigos da 2ª fase), no contexto de um antiforme regional, denominado Antiforme Viana do Castelo – Caminha (AVCC) (Pamplona e Ribeiro, 2013, Evolução geodinâmica da região de Viana do Castelo (Zona Centro-Ibérica, NW de Portugal), In Geologia de Portugal, vol. 1, Escolar Editora, 149-203).

Figura 4.3. Mapa geológico do sector litoral a norte de Viana do Castelo, com localização do Monumento Natural Local “Planalto Granítico das Chãs de Santa Luzia” (limites a amarelo). (Adaptado de Pamplona, 2001, Tectónica do antiforma de Viana do Castelo-Caminha (ZCI): regime de deformação e instalação de granitóides, tese de doutoramento, Universidade do Minho).

A parte superficial da Terra (litosfera) formada por placas tectónicas que se movimentam entre si, em convergência, afastamento (divergência) ou deslizamentos laterais (transcorrência). A criação e a destruição de placas tectónicas são processos que decorrem desde os primeiros tempos da história da Terra, ao longo dos milhões de anos. A criação da placa inicia-se, habitualmente, no meio dos continentes, criando oceanos (onde se depositam os sedimentos provenientes da erosão das montanhas e a formação das rochas sedimentares) e posteriormente o seu fecho e a colisão de continentes para formar uma cadeia de montanhas (orogenia). Cada sequência destas corresponde a um ciclo geológico, também designado por Ciclo de Wilson.


Vários ciclos geológicos (com cerca de 500 milhões de anos, desde a abertura inicial à fase orogénica) ocorreram no passado, testemunhados nas rochas que ocorrem atualmente à superfície dos continentes. As rochas que ocorrem em Portugal estão associadas principalmente aos dois últimos destes ciclos: varisco e alpino.


O conjunto geológico estruturado durante o ciclo varisco constitui a ossatura geológica fundamental da Península Ibérica e designado por Maciço Ibérico. Nas extremidades do Maciço Ibérico (Bacia Lusitana e Algarvia) ou nas depressões no seu interior (Bacias do Douro, Tejo e Sado, Ebro e Guadalquivir) existe acumulação de sedimentos e rochas gerados no Ciclo Alpino (abertura do oceano Atlântico), o qual ainda continua em evolução nos tempos atuais, com fases colisionais a originar o levantamento das cadeias montanhosas mais relevantes da atualidade.


O Maciço Ibérico corresponde a rochas (sedimentares) formadas durante a fase oceânica do ciclo, posteriormente metamorfizadas na fase colisional. Nesta fase, em profundidade foram instaladas várias gerações de plutões graníticos, os quais afloram atualmente em parte significativa do nosso país.

Os granitos que ocorrem no MNL e na região envolvente enquadram-se neste contexto orogénico varisco. A sua ocorrência atual à superfície evidencia uma erosão prolongada (nos últimos 300 Ma) das rochas do Maciço Ibérico, reforçada pelo levantamento tectónico regional ocorrido no âmbito da orogenia Alpina (Fig. 4.4).


Há 300 milhões de anos 

Os granitos que ocorrem no Planalto de Santa Luzia e na região envolvente foram formados há cerca de 300 milhões de anos, num contexto de placas tectónicas convergentes.

Atualidade

Desde então, as rochas que existiam por cima dos granitos foram erodidas e estes foram lentamente surgindo à superfície.

Figura 4.4. Modelo esquemático de instalação dos plutões graníticos associados à orogenia varisca e da sua situação atual.

Na fácies Granito de Bouça de Frades é possível observar encraves micceos e xenólitos de origem metassedimentar, o que evidencia a posição destas rochas na parte superior do plutão granítico, na proximidade das rochas encaixantes metassedimentares. Estes elementos são particularmente interessantes nas proximidades do vértice geodésico Santa Luzia, onde se observam também estruturas metassedimentares (Formação da Desejosa) em afloramentos graníticos. Na fácies Granito de Afife ocorrem encraves de fragmentos granitoides de fácies mais fina (Granito de Bouça de Frades), sendo esta incorporação testemunho da sua instalação mais tardia (Fig. 4.5). 

Figura 4.5. Ocorrência de encraves micáceos biotíticos (A) e metassedimentares (B) e afloramento de estruturas metassedimentares (C) na fácies porfiróide Granito de Bouça de Frades, no sector do vértice geodésico de Santa Luzia. Ocorrência de encraves da fácies Granito de Bouça de Frades na fácies Granito de Afife (D), no sector sudeste do MNL.

É também na fácies Granito de Afife que se podem observar filões pegmatíticos, alguns com cerca de 1 metro de espessura, contendo granada, turmalina e berilo (Fig. 4.6). 

Figura 4.6. Filões pegmatíticos na fácies Granito de Afife, no sector sudeste do MNL, onde é possível observar presença de turmalina.

As geoformas graníticas


A área do MNL coincide com os topos aplanados da serra de Santa Luzia, entre os 450 e os 550 metros de altitude, coincidente com a de outros pequenos planaltos situados mais para o interior da Península Ibérica.


A disposição e distribuição espacial de sectores aplanados sempre foi um tema usado para explicar a evolução do relevo. Considerando-se a intensa erosão que afetou o Maciço Ibérico durante as primeiras fases do Ciclo Alpino, uma vasta superfície aplanada próxima do nível do mar foi definida até há cerca de 80 milhões de anos. Desde então, as fases orogénicas do Ciclo Alpino levantaram essa superfície, designada genericamente por Meseta Ibérica, até à altitude a que se encontra atualmente (Fig. 4.7). Essas movimentações tectónicas foram diferenciadas, colocando retalhos aplanados a diversas altitudes, mas que constituem igualmente relíquias do aplanamento Mesozoico. Esses aplanamentos tendem para desaparecer com o tempo, devido aos processos de erosão e de incisão fluvial.


Os topos aplanados da Serra Santa Luzia são assim uma expressão do aplanamento mesozoico e do seu levantamento tectónico nos últimos 80 milhões de anos.

Santa Luzia

Figura 4.7. O planalto da Serra de Arga constitui um raro vestígio da superfície fundamental da Meseta Ibérica que se desenvolve com maior expressão a cerca de 800 metros de altitude no interior da Península Ibérica.

Meteorização


A meteorização corresponde ao conjunto de processos físicos e químicos que as rochas sofrem à superfície, ou seja, quando entram em contacto com os agentes atmosféricos (água, ar, variação de temperatura) e com condições de temperatura e de pressão diferentes dos seus ambientes de formação.

A composição mineralógica da rocha influencia a meteorização química, que é mais intensa nos minerais menos estáveis. Os minerais que iniciaram a cristalização a temperaturas e pressões mais elevadas são menos estáveis quando expostos às condições ambientais da superfície terrestre. 


No caso dos granitoides, o quartzo é o mineral mais estável, enquanto a plagioclase rica em cálcio, as anfíbolas e a biotite, são os menos resistentes à alteração. A hidrólise da plagioclase e do feldspato alcalino constitui o principal processo de meteorização química que resulta na produção de minerais argilosos como, por exemplo, a caulinite. O ligeiro desgaste dos minerais reduz a resistência intergranular, favorecendo a desintegração da rocha. De igual forma, as características texturais da rocha, como o tamanho dos cristais constituintes, podem ter algum condicionamento sobre as formas de relevo.


As rochas graníticas exibem normalmente uma rede subortogonal de fraturas e podem igualmente ter fracturação subhorizontal, constituindo um fator principal da meteorização (Figs. 4.8 e 4.9). A fracturação compartimenta a massa rochosa em blocos e facilita a penetração de água, favorecendo a meteorização (Fig. 4.10) e a posterior erosão.


Com a meteorização a progredir em profundidade, a rocha é progressivamente transformada num material decomposto e friável, chamado de “arena granítica”, que pode envolver os blocos arredondados de rocha não meteorizada. 

Figura 4.8. Representação esquemática da fraturação em rochas graníticas (Migon, 2006, Granite Landscapes of the World, Oxford University Press).

Figura 4.9. Aspeto da fraturação do granito no sector do v.g. Sta. Luzia, na fácies Granito de Bouça do Frade.

Figura 4.10. Representação esquemática de um perfil típico de alteração em rochas graníticas (Ruxton & Berry, 1957, in Migon, 2006, Granite Landscapes of the World, Oxford University Press): I – arena granítica, até 30% de argila, predomínio de quartzo e caulino; II – arena granítica, núcleos inalterados arredondados representam entre 10% e 50%; III – predomínio de núcleos inalterados retangulares envolvidos em matriz de alteração; IV – mais de 90 % de rocha sólida, material de alteração é residual na fraturas.

As geoformas graníticas são normalmente classificadas em três grandes grupos, em função da sua dimensão: mega-geoformas (dimensão mínima de 100 metros), meso-geoformas (dimensão entre 1 e 100 metros) e micro-geoformas (normalmente inferiores a 1 metro). Mega-geoformas como inselberg ou bornhardt correspondem a relevos residuais de grande dimensão, não ocorrendo na área do MNL, ao invés de meso-geoformas como blocos (bolas graníticas), tors e nubbins. 


Os blocos arredondados (bolas) são expostos à superfície à medida que o manto de alteração é erodido de modo diferencial e aí podem permanecer in situ ou sofrer algum transporte. As bolas graníticas continuam a sofrer os efeitos da meteorização química e física à superfície, podendo evoluir para esta forma já nesse contexto. No MNL, os blocos graníticos superficiais são pouco esféricos, predominando uma configuração irregular, associada a fracturação subhorizontal (Fig. 4.11).


Figura 4.11. Aspeto de blocos graníticos com pouco arredondamento neste MNL.

Apesar da ocorrência de meso-geoformas, no MNL destaca-se a abundância e a diversidade das micro-geoformas, nomeadamente as pias, os tafoni e a pseudoestratificação. Estas micro-geoformas ocorrem, de modo geral e indiferenciado, em ambas as fácies graníticas principais do MNL, o que poderá evidenciar a maior importância da química do granito no modelado granítico de pormenor, em relação às suas caraterísticas texturais.


As pias são muito comuns na paisagem granítica do noroeste da Península Ibérica, correspondendo a pequenas depressões fechadas, normalmente circulares, em superfícies rochosas planas ou ligeiramente inclinadas, com diâmetros entre alguns centímetros e alguns decímetros (Fig. 4.12). 


A origem das pias tem sido motivo de debate científico, embora se reconheça que têm origem na meteorização química. Alguns autores defendem uma origem superficial (quando o granito está já sujeito aos agentes atmosféricos), em que a acumulação de água superficial em pequenas concavidades leva à formação de pias, por processos de meteorização química e física. Outros autores defendem uma origem endógena mais complexa, relacionada com a concentração de tensões em pontos específicos do maciço granítico, durante a sua instalação.

Figura 4.12. Ocorrência de pias na superfície de blocos graníticos do MNL.

Os tafoni (plural de tafone, palavra de origem italiana que significa perfuração ou janela) correspondem a formas alveolares e cavernosas presentes nas paredes e superfícies inferiores de blocos graníticos (Fig. 4.13). As suas ocorrência e distribuição são intrigantes, com alguns blocos (raros) a ocorrer com tafoni lado a lado com outros idênticos dos pontos de vista químico e estrutural. Tal como no caso das pias, a sua origem é controversa, com alguns autores defendendo uma origem subaérea, enquanto outros propõem que a sua formação seja iniciada ainda em profundidade, no mesmo tipo de processo edáfico de formação das pias. 

Figura 4.13. Exemplo de tafoni neste MNL.

Pseudoestratificação refere-se ao desenvolvimento de fraturas paralelas à superfície topográfica, conferindo um aspeto estratificado (como acontece nas rochas sedimentares) ao granito (Fig. 4.14). As fraturas (diaclases) resultantes têm tipicamente uma espessura centimétrica a decimétrica, contribuindo significativamente para reduzir a resistência mecânica das rochas, favorecendo movimentos rochosos superficiais ao longo das vertentes.

A pseudoestratificação está associada ao alívio de carga, à medida que os granitos se “aproximam” da superfície. O espaçamento das fraturas tende a aumentar com a profundidade à medida que a pressão aumenta.

Figura 4.14. Exemplos de blocos com pseudoestratificação neste MNL.

Associados à pseudoestratificação, ocorrem neste MNL alguns blocos graníticos mais salientes na sua parte superior do que na sua base (Fig. 4.15). Estas geoformas, chamadas de blocos em pedestal, têm origem nas meteorização e erosão mais intensas na parte inferior dos blocos pseudoestratificados.  

Figura 4.15. Ocorrência de blocos em pedestal, controlados por pseudoestratificação neste MNL.